Marc Pétrier: fonte do motociclismo no Brasil e no mundo…
O suíço Marc Pétrier é um dos personagens mais importantes da História do Brasil Motociclístico. No início dos anos 1980, em parceria com o francês Gabriel Hochet, Marc publicou a revista Motoshow. Em uma redação que tinha como colaboradores os lendários Eloy Gogliano, Walter ‘Tucano’ Barchi, Carlão Coachman, Pedro ‘Moronguinho’ Raimundo, Ayres Mascarenhas e outros, cada edição era aguardada com ansiedade, e os testes, competições e aventuras eram comentados por todos os apaixonados por motos muito antes das ‘lives’ da Internet.
De volta á Europa, Marc foi Assessor de Imprensa da Federação internacional de Motociclismo – FIM, cargo que exerceu com brilhantismo durante muitas temporadas.
Amigo de grandes conversas, projeções realistas e avaliações certeiras, Marc se sentia à vontade em qualquer tipo de terreno, e quando surgiu a oportunidade de entrevistá-lo ao vivo, infelizmente a Internet não colaborou.
Aí elaborei essa série de perguntas, que contam um pouco da trajetória deste extraordinário motociclista e entusiasta das corridas que, a partir de agora e na medida em que a agenda dele permitir, será consultor internacional do Giro Azul.
A afinidade de MP com a Yamaha é tamanha que ele escreveu um livro sobre a história da marca. Que infelizmente está esgotado…
Com muita honra e extrema satisfação, com vocês, Marc Pétrier.
Fritz Scheldegger, bicampeão mundial de sidecar, morto em Mallory Park, Inglaterra, em 1967, aos 37 anos…
1 – QUAL É A SUA LEMBRANÇA MAIS ANTIGA RELACIONADA AO MOTOCICLISMO.
Vem de setembro de 1969, quando vi pela primeira vez uma Honda CB 750 4 cilindros; o dono estava passeando na beira do lago em Genebra. Todo mundo estava olhando para aquela moto. Algum tempo depois encontrei uma turma de motociclistas – frequentávamos o mesmo bar, e perguntei a um deles se podia dar uma volta com sua moto, ele disse claro e me deu a chave. Era uma Honda CB 250 bicilíndrica. Já sabia que freio era a manopla direita, embreagem a da esquerda, câmbio no pedal esquerdo, etc. Após alguns minutos de primeiro contato, peguei o jeito e me senti em casa, literalmente.
Florian Camathias no TT de 1958. Ele se foi aos 41, em uma prova em Brands Hatch, Inglaterra…
Bem mais tarde, lembrei que meu pai, um dia quando eu devia ter uns dez anos, havia mencionado os nomes de Camathias e Scheidegger, os dois pilotos sidecar suíços que dominavam o Mundial entre anos 50 e 60. Minha memoria havia apenas registrado os nomes, sem saber quem era…
O trágico acidente nas 24 Horas de Le Mans em junho de 1955 deixou 84 mortos e 120 feridos. Desde então corridas em asfalto estão proibidas no país…
2 – AS MOTOCICLETAS SÃO POPULARES NA SUÍÇA? QUE SEGMENTO É MAIS FORTE NO PAÍS.
E como ! há muitas motos em todos os lugares do país. É um país de motociclistas. Por exemplo é o lugar onde há mais Honda Gold Wing proporcionalmente à população do país. Infelizmente politicamente o governo tem agido no sentido oposto, proibindo qualquer trânsito em fora de estrada – exceto em competições oficiais, cross, enduro trial, grass-track… e nenhuma de velocidade exceto Hill Climbing! As corridas em estradas e/ou circuitos fechados foram proibidas pelo governo nos anos 50 depois da tragédia em Le Mans. Um acontecimento dramático, certo, mas que serviu de motivo para proibir corridas de esporte a motor em estradas em circuito no país.
Moto na estrada, felicidade em movimento…3 – E VIAGENS DE MOTO, VOCÊ REALIZOU?
Na verdade, comecei a trabalhar pra valer com motos no Brasil. Antes era começo de uma paixão, fazia passeios na região com amigos, mas grandes viagens não.
Gabriel Hochet, amigo e parceiro de uma vida…
4 – EM QUE CIRCUNSTÂNCIAS SE DEU A SUA VINDA PARA O BRASIL.
Estava estudando na universidade mas não estava indo bem. A faculdade de direito não estava empolgando-me, e no final do segundo ano, decidi fazer outra coisa. Aquilo foi uma viagem pelo Brasil, e possivelmente a América do Sul inteira, mas as circunstâncias fizeram com que acabasse ficando em São Paulo, encontrando um francês chamado Gabriel Hochet, num bar frequentado por estrangeiros. Ele trabalhava numa editora, era também apaixonado por motos e queria fundar uma revista no Brasil, e me convidou para trabalhar com ele. Passou algum tempo e um dia, ele me chamou. E começamos.
A ‘gang’ da Motoshow em tempo de testes, com Marc à direita, entre Santo Feltrin e Quinho Caldas, Roberto Agresti (eu acho). O de camisa branca não consegui identificar, pena que não sou eu, hehe…
5 – E A MOTOSHOW, COMO COMEÇOU?
Como te falei na resposta anterior, em um bar de São Paulo. Bendito bar.
Capa da edição da Motoshow em setembro de 1986 – preço em cruzados…
6 – VOCÊ MANTÉM CONTATO COM GABRIEL HOCHET?
Sim, mantivemos sempre contato, fui varias vezes encontrá-lo na França, primeiro em Paris, depois na Normandia onde vive agora, e ele veio me ver na Suíça, e uma vez nos encontramos os três, eu, ele e o Roberto Agresti! O Gabriel não perde um Grande Prêmio, sempre assiste a todas as corridas na TV, acompanha tudo o que se passa.
Sede (nova) da Federação Internacional de Motociclismo – FIM, em Mies, Suíça – fundada em 1904…
7 – E A ASSESSORIA DE IMPRENSA DA FIM, COMO SURGIU A OPORTUNIDADE?
Quando morava no Brasil, fui várias vezes de férias à Genebra ver meus pais, minha família, viajamos um pouco pela Europa, quando estava em Genebra fui visitar a sede da FIM, que ficava perto da cidade, numa casa em Chambésy, e foi lá que conheci o secretário-geral Guy Maitre. Tornou-se um habito, cada vez que estava em Genebra ia visitá-lo. Um dia ele me disse que estava à procura de um assessor de imprensa para a FIM; na época não havia nenhuma estrutura de comunicação. Comecei em agosto de 1991.
O livro “História da Yamaha” – Editora Edipromo, 1986 – exemplar de Laner Azevedo
8 – COMO FOI ESCREVER SOBRE O CENTENÁRIO DA ENTIDADE E A HISTÓRIA DA YAMAHA, O PROJETO É SEU?
O livro sobre a História da Yamaha foi uma proposta da Yamaha do Brasil, mais precisamente do Rui Matos, na época diretor de marketing da empresa. Explicou-me que a empresa queria contar a história da empresa, que na verdade poucas pessoas conheciam. Deu bastante trabalho de pesquisa, busca de fontes de informações, de fotos, dados, etc., mas foi muito empolgante, gostei muito de escrever esta história.
O livro sobre o centenário da Federação Internacional de Motociclismo em 2004 seguiu o mesmo princípio. O trabalho estendeu-se ao longo de cinco anos, de 2001 até 2005 – decidiu-se por incluir 2004 no livro, portanto o trabalho levou mais alguns meses até terminar e imprimir o livro, que tem mais de 600 páginas e pesa quase seis quilos…e ainda por cima existe em duas edições distintos, uma em francês e uma em inglês. E claro que muitas pessoas participaram deste trabalho gigantesco, jornalistas, fotógrafos, tradutores, etc. Também foi um trabalho muito empolgante.
As corridas no gelo (ice racing) são sancionadas pela FIM desde 1924. Motores Jawa 500cc, pregos nos pneus e inclinações incríveis…
9 – VOCÊ DEVE TER ASSISTIDO MUITAS COMPETIÇÕES E EVENTOS DE MOTO. QUAIS FORAM OS MAIS MARCANTES. E AS MAIS INSÓLITAS?
Não fiz a conta, mas foram bastante eventos aos quais assisti. Ainda mais incluindo os eventos quando estava no Brasil, na Motoshow e na Motosport. Logicamente os que mais surpreenderam foram aqueles que não conhecia antes, que eu estava vendo pela primeira vez: speedway, ice Racing. Foi como receber um tapa na cara. A formula de competição é bem particular, uma sequência de corridas curtas, pontos adicionados indicando os pilotos classificados para as finais, etc. bem diferente das provas de velocidade ou de motocross, de trial ou de enduro. Eu gosto de todas, o mundo do esporte motociclístico é muito grande e bem variado.
Como diria o maestro Tom Jobim, morar no Estrangeiro é maravilhoso, mas uma merd@. Já morar no Brasil é uma merd@, mas é maravilhoso…
10 – QUAL É A MELHOR LEMBRANÇA QUE VOCÊ GUARDA DA SUA TRAJETÓRIA NO MOTOCICLISMO. E DO BRASIL?
Muito difícil apontar uma só lembrança, há muitas delas. Guardei lembranças sempre positivas dos eventos aos quais estive presente, das cerimônias de entrega de prêmios, dos congressos e reuniões da FIM, nos quais os bons momentos ficam na memória. Os problemas, incidentes e tragédias não são esquecidas mas na hora de balanço, fico feliz por ter seguido este caminho. No Brasil é igual, mas acrescentaria uma coisa: a saudade das coisas que fiz, às quais participei, dos amigos que deixei, a saudade de viver no Brasil. A decisão de ir embora, no final de 1990 foi extremamente difícil de tomar, isso posso garantir a vocês. Qualquer uma das soluções que fosse escolher, me faria automaticamente pensar na outra…
Entrevista concedida a Fausto Macieira
Fotos e legendas meramente ilustrativas